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A POLÊMICA RESCISÃ0 DO CONTRATO ÀS CUSTAS DO ENTE PÚBLICO

Na semana passada, grande alvoroço se criou diante da possibilidade de, em razão da paralisação da maioria das atividades empresariais, rescindir-se os contratos de trabalho, deixando o pagamento da rescisão, ou pelo menos parte das rescisórias, à cargo do ente da Administração Pública responsável pelos decretos que restringem o funcionamento das empresas, conforme previsão contida no art. 486 da CLT, abaixo transcrito:


Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.


Salvo melhor juízo, entendemos que o art. 486, apesar de não revogado, teve a sua eficácia prejudicada pela alteração da redação do caput do art. 477, ambos integrantes do mesmo Capítulo V da CLT. Explica-se.


A antiga redação do art. 477 da CLT previa, efetivamente, o pagamento de uma indenização devida aos empregados despedidos imotivadamente.


Art. 477. É assegurado a todo empregado, não existindo prazo estipulado para a terminação do respectivo contrato, e quando não haja ele dado motivo para cessação das relações de trabalho, o direito de haver do empregador uma indenização, paga na base da maior remuneração que tenha percebido na mesma empresa.


Mas a indenização a que se referia a antiga redação do caput do dispositivo acima transcrito, não é devida aos trabalhadores submetidos ao regime jurídico do FGTS.


Assim, na hipótese tratada pelo art. 486, a indenização prevista no art. 477 seria paga pelo Governo Responsável somente ao empregado não optante do FGTS.


Ademais, além de não ser aplicada aos optantes do referido regime jurídico alternativo inaugurado em 1966, conforme já antecipado, a redação do art. 477 foi alterada pela Reforma Trabalhista e, atualmente, não prevê qualquer indenização.


Consequentemente, sob a nossa ótica, apesar de o art. 486 da CLT prever a responsabilidade pelo Factum Principis, não mais existe, no ordenamento, a respectiva indenização devida ao empregado (não optante do FGTS), que seria atribuída ao ente público.


Para contornar a situação acima, argumentando-se que o fato do príncipe é uma espécie de força maior, vê-se, em alguns julgados, aplicação combinada do art. 486 com o art. 502 da CLT, com o intuito de responsabilizar o Estado pelo pagamento da rescisão contratual.


Observem o que diz o art. 502:

"Art. 502 - Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte:

(...)

II - não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa;"(grifos nossos)


A nosso ver, invocar o art. 502 da CLT, igualmente, não socorre ao intento de se transferir ao Poder Público o pagamento das verbas rescisórias. Vejamos:


Inicialmente, porque a referida norma tratava de empregados não submetidos ao regime do FGTS, realidade que não mais se verifica nas relações atuais.


Observe-se, ainda, que os artigos 486 e 502 possuem finalidades distintas: o primeiro visa assegurar uma indenização ao empregado estável, na hipótese de Factum Principis. Já o segundo dispositivo trata de uma indenização devida ao empregado não estável, em caso de rescisão por força maior.


Portanto, ainda que se reconheça o Fato do Príncipe como uma espécie da qual a Força Maior é o gênero, os referidos dispositivos possuem mens legis distintas o suficiente para impedir que os mesmos sejam combinados, não sem o consequente prejuízo ao princípio da legalidade.


Em outras palavras, a disposição contida no art. 502 da CLT não é capaz de superar a ausência de previsão legal para o pagamento de indenização motivada em Factum Principis.


Mesmo se fosse possível admitir a flexibilização do princípio da legalidade para aplicar, em conjunto, estes dois dispositivos celetistas e atribuir ao Estado o dever de pagar a rescisão do empregado, ainda assim, precisam ser observados, no caso, duas condições:


A primeira, inquestionável, é a existência de Força Maior devidamente positivada pela Medida Provisória 927/2020.


O segundo requisito é o da extinção da empresa ou de um dos seus estabelecimentos, provocada pelos efeitos do Estado de Calamidade Pública que estamos experimentando.


Diante dos claros termos da norma, apenas na extrema hipótese de extinção da empresa, vale dizer, do encerramento permanente do exercício do seu objeto social, causado pela paralisação ou proibição temporária de suas atividades, decorrentes de Decretos da Administração Pública, é que se poderia atribuir ao Estado a responsabilidade pelo pagamento.


Por mais severas que sejam as consequências da Força Maior, a suspensão ou interrupção incidentes sobre determinado segmento econômico não são suficientes, por si só, para desencadear a pretendida responsabilização do ente público.


Isto porque se os referidos atos administrativos não resultarem no fechamento definitivo da empresa, não se configura o pressuposto fático necessário ao encadeamento construído pela tese que combina os arts. 486 e 502 da CLT, para determinar ao Estado o pagamento das verbas rescisórias devidas a cada empregado demitido por força da extinção de determinada empresa.


Sem o fechamento definitivo do empreendimento, ou se tal fato não foi resultado direto da força maior, não resta espaço para a aplicação do art. 502 da CLT, e, por consequência, prejudica o dever de indenizar previsto pelo art. 486 do mesmo diploma jurídico.


Ante o exposto, respeitado entendimento diverso, expressamos a nossa posição sobre o tema:


  1. A indenização prevista na antiga redação do caput do Art. 477 da CLT era devida unicamente aos empregados estáveis, não submetidos ao regime jurídico do FGTS.

  2. Essa restrição deveria ser mantida na hipótese de indenização devida pelo ente público responsável por ato que determinou a paralisação temporária ou definitiva do trabalho.

  3. Esta responsabilização do ente público (art. 486 da CLT), anteriormente limitada aos empregados estáveis não submetidos ao FGTS, resta integralmente prejudicada pela alteração da redação do caput do art. 477 da CLT que, após a Reforma Trabalhista, não mais prevê qualquer indenização.

  4. Em razão do exposto nos itens 1 e 3, a tentativa de atribuir a indenização prevista no art. 502, inc. II da CLT, por meio de combinação com o art. 486, é alvo de importante questionamento sobre violação ao princípio constitucional da legalidade.

  5. Não bastasse a violação ao princípio da legalidade, os dispositivos são contraditórios pois o art. 486 da CLT somente prevê indenização em favor de empregados estáveis e o art. 502, inc. II, trata de indenização devida a não estáveis.

  6. Ainda que se admita a flexibilização quanto a estes obstáculos, a dispensa durante o período de paralisação não responsabilizaria o Estado, exceto na hipótese da rescisão contratual ter como causa a extinção do estabelecimento empresarial por consequência da Força Maior.


Entendemos, portanto, que o pagamento de metade da verbas rescisórias, praticado com fundamento nos arts. 486 e 502 da CLT, fora das condições apontadas neste texto, não é opção segura a ser adotada pelos empregadores.


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